natal é cancelado em Belém: restam chaves, pedras e melancias

Allie Terassi
3 min readDec 23, 2023

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Na cidade em que o menino Jesus nasceu, localizada na Cisjordânia, o Natal não será comemorado esse ano (2023). O massacre do Estado de Israel na Palestina, intensificado desde 7 de outubro desse ano, já deixou mais de 20 mil mortos em Gaza e cerca de 300 mortos na Cisjordânia Ocupada, onde não há presença do Hamas. Dentre esses, mais de 8 mil são crianças que tiveram suas vidas interrompidas em decorrência do imperialismo colonialista de Israel, com o apoio dos EUA.

Já são 75 anos de limpeza étnica, desde que o Estado de Israel foi artificialmente criado pela ONU, com o apoio das principais potencias imperialistas da época (EUA, Reino Unido e URSS, sob comando de Stalin).

Nessa semana, duas mulheres cristãs foram assassinadas tentando buscar refúgio na Paróquia da Sagrada Família, em Gaza, com tiros de snipers. Outros refugiados também foram atingidos enquanto tentavam prestar socorro, e estão sem qualquer amparo médico, dada a superlotação nos hospitais e a imensa quantidade de hospitais que foram bombardeados pelo Estado terrorista de Israel.

Hospitais, igrejas, mesquitas, escolas, universidades, campos de refugiados (dentro da própria terra) foram bombardeados sem quaisquer prerrogativas. Além disso, já existem articulações de empresas israelenses que planejam a construção de grandes condomínios nas áreas bombardeadas em Gaza, criando mais acampamentos de colonos nas terras palestinas.

Mas esse não é um texto sobre geopolítica ou conflitos internacionais. Esse é (ou deveria ser) um texto sobre o Natal, um dos únicos que o sino em Belém não vai tocar, porque só se ouve o som das bombas.

Jesus nasceu numa estrebaria, de uma mulher que nem era casada, já estava grávida e ainda saía por aí falando que era virgem. Deus-Menino teve de ser escondido das autoridades imperiais que buscavam matar todos os meninos recém-nascidos. Cresceu e viveu em graça e poder, e mesmo sem qualquer iniquidade, foi morto nas mãos do Estado, junto aos ladrões.

A busca gananciosa do Estado por matar crianças palestinas continua, agora nas mãos de Israel, e não mais do Império Romano. O Natal nesse ano será de luto, porque Deus continua morrendo todos os dias em Gaza e na Cisjordânia.

A Basílica da Natividade, igreja histórica construída no local que Cristo nasceu, celebra o Natal desse ano com uma manjedoura de escombros, e o menino Jesus envolto em kufiya, um lenço palestino.

A última resolução aprovada pela ONU a respeito do conflito mostra-se completamente enfraquecida, sem exigir cessar-fogo imediado (como a anterior, sem sucesso) e sem responsabilizar Israel pelo massacre. Resultado já esperado, já que foi a própria ONU a responsável por articular a partilha da Palestina em 1948.

Nesse Natal, que organizemos o desprezo pelo Estado terrorista de Israel e incorporemos a raiva aos poderosos que Jesus nunca escondeu. Apenas a unidade entre os trabalhadores, refugiados e a solidariedade internacional aos palestinos pode barrar o conflito. Sem nenhuma confiança na ONU ou nas articulações imperialistas.

Que lembremos da chave, símbolo histórico da luta palestina, passada de geração em geração na esperança revolucionária de um dia reconquistarem as suas próprias casas. Que lembremos das pedras, a principal arma utilizada nas Intifadas, a rebelião popular palestina contra o genocídio. Que nos lembremos da melancia, símbolo utilizado quando são proibidos de levantar a bandeira do próprio país.

E mais ainda, que nos lembremos de Cristo, o Deus que escolheu nascer palestino, em meio às estrebarias e escombros deixados pela ganância e ódio dos homens. Não desejo um feliz Natal, mas um Natal com muita raiva organizada em prol de uma Palestina livre – do rio ao mar.

“Para escrever uma poesia

que não seja política

devo escutar o som dos pássaros

mas para ouvir os pássaros

é preciso que cesse o bombardeio”

(Marwan Makhoul)

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Allie Terassi

sou uma falha epistemológica tentando produzir poesia e teologia. e a melhor delas está no outro.